Prezado leitor, permita-me conduzi-lo a um dia que, outrora prometendo alegria, findou-se em um turbilhão de desespero que marcou a memória do povo do distrito de São Miguel, pertencente ao município de Quixeramobim, Ceará. Corria o 1º de julho de 1994, e o sol, usualmente benevolente, testemunharia um espetáculo de pavor.
Naquele dia, a pequena São Miguel estava na expectativa de receber a visita de figuras ilustres, como Cirilo Pimenta e Tasso Jereissati. Pairava no ar um prenúncio de tempos melhores. O lugar, de pessoas simples e devotas, reuniu-se na praça do distrito à espera de um vislumbre de esperança e um aceno de prosperidade.
Mal sabiam que a alegria daria lugar a um espetáculo de pavor e desespero, onde testemunhariam um dos dias mais inesquecíveis de suas vidas. O evento político mal havia começado quando, de repente, um zumbido ensurdecedor ecoou pelos ares. Um enxame de abelhas enfurecido atacou de maneira voraz todos que ali estavam. O que se viu foi um pandemônio dantesco: correria e gritos de dor ecoavam pelas ruas de São Miguel, ao mesmo tempo em que homens, mulheres e crianças corriam em desespero, buscando refúgio e abrigo a fim de salvar-se do imprevisível acontecimento.
A cena era de um caos indescritível. Pais em desespero procuravam seus filhos, que perderam de vista durante a correria em busca de um abrigo. Uns correram para o açude, na vã esperança de encontrar alívio nas águas; outros, em prantos, buscavam a proteção divina na igreja local, como quem busca a salvação eterna.
As próprias autoridades do evento sentiram na pele a realidade desesperadora do momento. A exemplo, Tasso Jereissati, outrora figura ilustre do evento, viu-se acuado buscando refúgio. Uns relatam que foi encostado na parede da igreja e enrolado em uma tanga; outros dizem que ele escapou dentro da mercearia do seu Odílio Amâncio, encoberto em um saco plástico, na tentativa desesperada de escapar das ferroadas implacáveis.
A ironia da situação e fato constatado é que nenhum observador, por mais atento que fosse, escapou do ataque das abelhas. Inclusive os próprios políticos, que buscavam votos e aclamação, naquele dia dependeram da caridade alheia para salvar a própria pele. Dona Zilma contou-me que, em meio ao caos e ao ouvir os gritos das pessoas, até seu papagaio clamou por socorro.
Mas a tragédia não se limitou ao susto e às picadas. A memória mais dolorosa daquele dia reside na morte de um cavalo, o fiel companheiro de um homem chamado Expedito. O indefeso animal, que estava amarrado, tombou sem vida mediante o sumário ataque da "italiana", deixando seu dono em prantos, lamentando a perda de seu meio de transporte e testemunhando a morte do seu animal de estimação.
Quando, enfim, as abelhas se acalmaram, restou um rastro de destruição e dor. Mães desesperadas buscavam seus filhos perdidos, enquanto a ambulância, em um frenético vaivém, transportava vítimas para o hospital de Quixeramobim.
Portanto, que esta história sirva de reflexão sobre a persistência da memória, sobre a capacidade humana de recordar e transmitir experiências que moldam a nossa identidade. Ao visitar São Miguel, não é difícil encontrar alguém que tenha vivenciado esse momento. Na praça, nas calçadas, nos bares, em qualquer esquina que seja, pode-se perguntar, que certamente você ouvirá depoimentos que corroboram o contexto da história aqui contada.
Edgleson Lima
1° de julho de 94
As dez e meia do dia
A vila de são Miguel
Esperava com alegria
Cirilo, Tasso Jereissati
E outros que ali estaria
Não era nada importante,
Apenas para pedir voto
E povo de São Miguel
De tão amigo e devoto
Aguardava ansiosos
Doidos para sair na foto
Fizeram suas promessas
Para ganhar a eleição
Todo mundo animado
Mas não esperava não
Que um enxame de abelhas
Causasse uma revolução
Mal começou a reunião
Deu início a euforia
Era uns batendo palmas
E outros na gritaria
Outros bebendo cana
Sem esperar o que viria
Assanharam uma italiana
Começou o reboliço
Era tanta gente correndo
Que é triste até falar disso
Até mesmo o próprio Tasso
Viu sua vida em risco
Pessoas saíram correndo
Para toda direção
Não ficou um só vivente
Que esperasse não
Para enfrentar as abelhas
Provando ser valentão
Uns correram para açude
Outro pra dentro da igreja
Pedindo socorro ao santo
Que ficou vendo a peleja
De gente clamando a deus
Arrependido com certeza
Esconderam o Jereissati
Dentro da Igreja local
Enrolaram numa tanga
Para não passar mal
Se não houvesse essa ação
A morte seria fatal
Eram adultos e crianças
Chorando sem proteção
Batendo de porta em porta
Mas ninguém abria não
Com medo das abelhas
Entrar atrás do chorão
O mais triste do episódio
Foi a morte de um cavalo
Do amigo Expedito
Um cidadão muito honrado
Que viu seu animal morrer
Pelas abelhas ferroado
Chorando ele dizia
Eu perdi o meu transporte
Que diabo eu vim ver aqui
Que triste essa minha sorte
Que sair da minha casa
Pra ver a cara da morte
As abelhas se acalmaram
E ficou a choradeira
De mães atrás de menino
Perdido na buraqueira
E os políticos foram embora
Deixando só a poeira
A ambulância quase quebra
No vai e vem do hospital
Carregando gente doente
Que na hora passou mal
Ferroados das abelhas
Vermelhos igual coloral
Muita gente ainda lembra
Da carreira que levou
Das chinelas perderam
Quando o cabresto que quebrou
Assim como não esquecem
Do local onde se salvou
Teve um que levou
Mais de trinta ferroada
Desde o pé a cabeça
Que ficou de cara inchada
E outros que saíram
Até com a roupa rasgada
O papagaio da dona Zilma
Gritou mamãe vou morrer
Onde é que você está
Venha me socorrer
E para não perder sua vida
Teve que se esconder
Quem viveu esse dia
Jamais irá esquecer
Até mesmo o senhor Tasso
Pode perguntar pra ver
Com certeza vai falar
Pensou que ia morrer
Esta história foi narrada
Em forma de verso e rima
Por um poeta que já partiu
Para o andar de cima
E seu filho redigiu
Seguindo a sua sina
Este fato aqui contado
Quem quiser comprovar
Pergunte a qualquer morador
Nascido nesse lugar
Que ele vai lhe dizer
Rindo pra não chorar.
CLIMÉRIO CARLOS , reescrito por EDGLESON LIMA