28 de mar. de 2025

O ATAQUE DAS ABELHAS EM SÃO MIGUEL

 

Prezado leitor, permita-me conduzi-lo a um dia que, outrora prometendo alegria, findou-se em um turbilhão de desespero que marcou a memória do povo do distrito de São Miguel, pertencente ao município de Quixeramobim, Ceará. Corria o 1º de julho de 1994, e o sol, usualmente benevolente, testemunharia um espetáculo de pavor.

Naquele dia, a pequena São Miguel estava na expectativa de receber a visita de figuras ilustres, como Cirilo Pimenta e Tasso Jereissati. Pairava no ar um prenúncio de tempos melhores. O lugar, de pessoas simples e devotas, reuniu-se na praça do distrito à espera de um vislumbre de esperança e um aceno de prosperidade.

Mal sabiam que a alegria daria lugar a um espetáculo de pavor e desespero, onde testemunhariam um dos dias mais inesquecíveis de suas vidas. O evento político mal havia começado quando, de repente, um zumbido ensurdecedor ecoou pelos ares. Um enxame de abelhas enfurecido atacou de maneira voraz todos que ali estavam. O que se viu foi um pandemônio dantesco: correria e gritos de dor ecoavam pelas ruas de São Miguel, ao mesmo tempo em que homens, mulheres e crianças corriam em desespero, buscando refúgio e abrigo a fim de salvar-se do imprevisível acontecimento.

A cena era de um caos indescritível. Pais em desespero procuravam seus filhos, que perderam de vista durante a correria em busca de um abrigo. Uns correram para o açude, na vã esperança de encontrar alívio nas águas; outros, em prantos, buscavam a proteção divina na igreja local, como quem busca a salvação eterna.

As próprias autoridades do evento sentiram na pele a realidade desesperadora do momento. A exemplo, Tasso Jereissati, outrora figura ilustre do evento, viu-se acuado buscando refúgio. Uns relatam que foi encostado na parede da igreja e enrolado em uma tanga; outros dizem que ele escapou dentro da mercearia do seu Odílio Amâncio, encoberto em um saco plástico, na tentativa desesperada de escapar das ferroadas implacáveis.

A ironia da situação e fato constatado é que nenhum observador, por mais atento que fosse, escapou do ataque das abelhas. Inclusive os próprios políticos, que buscavam votos e aclamação, naquele dia dependeram da caridade alheia para salvar a própria pele. Dona Zilma contou-me que, em meio ao caos e ao ouvir os gritos das pessoas, até seu papagaio clamou por socorro.

Mas a tragédia não se limitou ao susto e às picadas. A memória mais dolorosa daquele dia reside na morte de um cavalo, o fiel companheiro de um homem chamado Expedito. O indefeso animal, que estava amarrado, tombou sem vida mediante o sumário ataque da "italiana", deixando seu dono em prantos, lamentando a perda de seu meio de transporte e testemunhando a morte do seu animal de estimação.

Quando, enfim, as abelhas se acalmaram, restou um rastro de destruição e dor. Mães desesperadas buscavam seus filhos perdidos, enquanto a ambulância, em um frenético vaivém, transportava vítimas para o hospital de Quixeramobim.

Portanto, que esta história sirva de reflexão sobre a persistência da memória, sobre a capacidade humana de recordar e transmitir experiências que moldam a nossa identidade. Ao visitar São Miguel, não é difícil encontrar alguém que tenha vivenciado esse momento. Na praça, nas calçadas, nos bares, em qualquer esquina que seja, pode-se perguntar, que certamente você ouvirá depoimentos que corroboram o contexto da história aqui contada.

Edgleson Lima

1° de julho de 94

As dez e meia do dia

A vila de são Miguel

Esperava com alegria

Cirilo, Tasso Jereissati

E outros que ali estaria

 

Não era nada importante,

Apenas para pedir voto

E povo de São Miguel

De tão amigo e devoto

Aguardava ansiosos

Doidos para sair na foto

 

Fizeram suas promessas 

Para ganhar a eleição

Todo mundo animado

Mas não esperava não

Que um enxame de abelhas

Causasse uma revolução

 

Mal começou a reunião

Deu início a euforia 

Era uns batendo palmas

E outros na gritaria

Outros bebendo cana

Sem esperar o que viria

 

Assanharam uma italiana

Começou o reboliço

Era tanta gente correndo

Que é triste até falar disso

Até mesmo o próprio Tasso

Viu sua vida em risco

 

Pessoas saíram correndo 

Para toda direção

Não ficou um só vivente

Que esperasse não

Para enfrentar as abelhas

Provando ser valentão

 

Uns correram para açude

Outro pra dentro da igreja 

Pedindo socorro ao santo

Que ficou vendo a peleja

De gente clamando a deus

Arrependido com certeza

 

Esconderam o Jereissati 

Dentro da Igreja local

Enrolaram numa tanga

Para não passar mal

Se não houvesse essa ação

A morte seria fatal



Eram adultos e crianças 

Chorando sem proteção

Batendo de porta em porta

Mas ninguém abria não

Com medo das abelhas 

Entrar atrás do chorão 

 

O mais triste do episódio 

Foi a morte de um cavalo

Do amigo Expedito

Um cidadão muito honrado

Que viu seu animal morrer

Pelas abelhas ferroado

 

Chorando ele dizia 

Eu perdi o meu transporte

Que diabo eu vim ver aqui

Que triste essa minha sorte

Que sair da minha casa

Pra ver a cara da morte

 

As abelhas se acalmaram

E ficou a choradeira 

De mães atrás de menino

Perdido na buraqueira 

E os políticos foram embora

Deixando só a poeira



A ambulância quase quebra

No vai e vem do hospital

Carregando gente doente 

Que na hora passou mal

Ferroados das abelhas 

Vermelhos igual coloral

 

Muita gente ainda lembra

Da carreira que levou

Das chinelas perderam

Quando o cabresto que quebrou

Assim como não esquecem 

Do local onde se salvou

 

Teve um que levou

Mais de trinta ferroada

Desde o pé a cabeça

Que ficou de cara inchada

E outros que saíram 

Até com a roupa rasgada

 

O papagaio da dona Zilma

Gritou mamãe vou morrer

Onde é que você está

Venha me socorrer

E para não perder sua vida

Teve que se esconder



Quem viveu esse dia 

Jamais irá esquecer

Até mesmo o senhor Tasso

Pode perguntar pra ver

Com certeza vai falar 

Pensou que ia morrer 

 

Esta história foi narrada

Em forma de verso e rima

Por um poeta que já partiu

Para o andar de cima

E seu filho redigiu 

Seguindo a sua sina 

 

Este fato aqui contado

Quem quiser comprovar

Pergunte a qualquer morador

Nascido nesse lugar

Que ele vai lhe dizer 

Rindo pra não chorar.



CLIMÉRIO CARLOS , reescrito por EDGLESON LIMA