O destino de Damiana começou marcado por tragédias. A viuvez precoce, causada pela brutalidade e um motivo torpe, a lança em um turbilhão de incertezas e desafios. Antônio Chiquinho, seu amado esposo, tomba sob a fúria de um paraibano, deixando-a órfã de proteção e amparo. A dor da perda se misturava à responsabilidade de criar três filhos que já tinha e enfrentar a gravidez sozinha do quarto filho, em um contexto social onde a mulher viúva era vista como presa fácil e vulnerável. A narrativa popular, preservada em versos que ecoam a oralidade do sertão, revela a crueza da vida e a importância da honra na cultura local. A morte de Antônio desencadeia uma busca implacável por vingança, liderada por seu irmão Manoel, que personifica o espírito justiceiro e a defesa da honra familiar. Damiana, por sua vez, se vê no centro de um conflito que transcende sua vontade, mas que molda seu destino de forma inexorável.
Em meio ao luto e à solidão, Damiana encontra um novo amor nos braços de Biné Rufino, de quem teria mais dois filhos, cuja a figura se personificava como a de um “Dom Juan do Sertão”, um conquistador nato, um galanteador por vocação, o qual já teria duas mulheres, onde inclusive já era casado formalmente com uma delas. Porém como ninguém foge de seu destino, a paixão bateu a porta de Damiana, que viu na figura de Biné, um refúgio, um porto seguro, que iria ajudar a tocar seus bens, e a criar seus filhos. Ao assumir o novo amor, do qual ainda teve mais dois filhos antes do segundo infortúnio. Damiana enfrentou os mais duros e cruéis preconceitos, pois viver esse amor, seria desafiar a sociedade da época, gerando escândalo e desaprovação na comunidade, colocando-a numa posição marginalizada, a qual ficou sujeita a julgamentos e condenações.
A narrativa popular não poupa detalhes sobre a conduta de Biné Rufino, que seduz a viúva e se envolve com a filha de Otaciano, um "Homem religioso, muito devotado à Igreja", que por sua vez ao saber do possível caso de Biné com sua filha, fora as vidas de fatos pondo fim a vida daquele que era seu amigo, e deixando Damiana mais uma viúva e com mais filhos para criar.
A Superação em Meio à Adversidade:
Apesar das tragédias e dos escândalos, Damiana Martins demonstrou uma força interior admirável. Ela enfrentou os desafios com coragem e determinação, buscando alternativas para sustentar seus filhos e reconstruir sua vida. Sua resiliência se manifestou na capacidade de superar a dor da perda, e enfrentar os desafios impostos pela vida e pela sociedade.
Esta História contada em versos simples e emocionantes, nos ensina que é possível renascer das cinzas e encontrar a felicidade mesmo em meio às maiores provações. O legado de Damiana permanece preservado na memória oral do povo de Lagoa Cercada, é um testemunho da força e da resiliência da mulher sertaneja, que nus nos inspira a enfrentar os desafios com coragem e a buscar a felicidade mesmo em meio às maiores adversidades.
Ao falarmos dessa guerreira, honramos a memória de todas as mulheres que lutaram e venceram em um contexto social adverso, que sua história continue a inspirar e a emocionar, perpetuando a memória de um tempo e um lugar onde a vida se manifestava em tons de paixão e superação. Damiana Martins saiu do plano terrestre em 10 de novembro de 2021 com 95 anos de idade, mas a sua força e determinação, é um símbolo de esperança e de exemplo a ser seguido, de que independente das dificuldades todos nós podemos desenvolver a capacidade de nos reinventar sem perder nosso espírito de fé e a esperança de dias melhores.
Agora, o leitor conhecerá essa História em versos, cuja escrita foi de Antônio Carlos da Silva Sobrinho, homem que detinha o saber formal na época, e que foi testemunha de ambos os acontecimentos trágicos na vida de Damiana.
Edgleson Lima
Ho leitor preste atenção
Dois casos que vou contar;
Que deu-se em Lagoa-Cercada,
Pois é um belo lugar,
Município de Quixeramobim,
Estado do Ceará
Morava neste lugar
Dona Damiana Martins
Que ela é a viúva
Do falecido Antônio Chiquinho
Que por causa de uma estaca
Sua vida teve fim
Junto a sua propriedade
Veio morar um paraibano
Já existia um travessão
Tirado a mais de vinte anos
Ele chegou que colocou umas estacas
Para não haver engano
Estas estacas que ele botou
Uma interrompeu o caminho
Antônio cortou a estaca
Foi bulir com seu vizinho
Ele bateu mão a espingarda
Foi matar Antônio Chiquinho
Escondeu-se atrás do curral
Até o dia amanhecer
Antônio foi tirar o leite de uma vaca
Para as crianças beberem
Ele atirou de pontaria
Sem o pobrezinho ver
Atirou do lado esquerdo
Atingindo-lhe o coração
Ele ainda correu para casa
Mas não pode fazer ação
Foi cair dentro do quarto
Naquela mesma ocasião
O certo é que o homem morreu
Naquela grande aflição
Chegou Manoel Chiquinho
Que do morto era irmão
Já vinha preparado
Com uma faca na mão
Achou o irmão já morto
Disse eu não respeito ninguém
Eu mato o paraibano
E mato mais cem
Se o paraibano não corre
Tinha tinha o também
Paraibano abriu no mundo
Nunca mais apareceu
A polícia o perseguiu
Mas nunca o prendeu
Ficou a propriedade
E depois ele o vendeu
Vendeu a outro paraibano
Eu posso dizer quem é
Esse é gente boa
Vai do jeito que o povo quer
Senhor Severino Pimenta
Um homem de grande fé
Trouxe outros paraibanos
E botou de morador
Todos gente boa
Amigo e trabalhador
Mas não tem quem conheça
Um braço devorador
Vamos falar da viúva
O que foi que aconteceu
Ela arranjou um casamento
Houve fuxico e não se deu
Era com outro viúvo
Que a mulher a anos morreu
Houve greve no casamento
Ela não pode casar
Ficou só com os filhinhos
Continuando a trabalhar
Apareceu Biné Rufino
Para sempre lhe ajudar
Binè já era casado
Duas mulheres ele já tinha
Uma se chamava Erondina
E a outra se chamava Chiquinha
Ele seduziu a viúva
Pelos casos que já tinha
Já era casado religiosamente
Com Erondina Noberto
Deixou ela nas Passagens
Um lugar aqui muito perto
E seduziu Chiquinha Lessa
Que morava nesse deserto
Casou-se civil com Chiquinha
E ficou aqui morando
Ele não possuía terras
Mas sempre vinha arranjando
Para criar os filhos dele
Sempre vinha trabalhando
Mais nunca esquecia a viúva
Sempre sempre o perseguindo
Até que a viúva também
Um dia chegou-lhe o destino
De colocar ele dentro de casa
Para ajudar criar os meninos
Aí ferveu o barulho
Houve até audiência
Mas não teve jeito
Desta grande desconveniência
Pois nem sempre a causa é
Do jeito que a gente pensa
Eles foram morar juntos
Contra o gosto dos cunhados
Numa casa caiada e boa
Construída pelo finado
Comendo coalhada e queijo
E mais outros guisados
Mas deus quando castiga
A pessoa tem que ser castigado
Apareceu um novo vizinho
Amigo e bem intencionado
Que só vivia na Igreja
E não era entusiasmado.
O homens eram amigos
E as mulheres eram mais
Só tomavam café juntos
Todos quatro iguais
Dessas amizades assim
Só quem goza é o satanás
O negro velho honrado
Chamava-se Otaciano
Morador de Severino
Também era paraibano
E possuía uma filha moça
Que só tinha 14 anos
O dito Biné Rufino
Que com a viúva era amigado
Perseguiu a caboclinha
Fez-se dela namorada
O negro velho quando soube
Tomou logo o caminho errado
Investigou a filha
Por notar-le ela diferente
Ela confessou tudo direito
Sem acusar mais gente
Culpou logo seu Biné
Pois era um incompetente
O negro ficou logo
Sem saber o que fazer
Mandou dizer ao patrão
Que viesse resolver
Ele mandou dizer que vinha
Dá algum parecer
O negro ficou bravo
Mais não espantou Biné
Querendo matar a treição
E com pena da mulher
Mas quando a ocasião foi própria
Ele empurrou o guinzé
Um certo dia Biné
Se achava adoentado
Otaciano trouxe-lhe um comprimido
Deu-lhe de bom agrado
Mandou pôr uma compressa
Que ele ficava curado
Era um dor de cabeça
Que Biné estava sentindo
Damiana pois uma folha morna
Logo os olhos foi cobrindo
A ocasião ficou propicia
Foi mesmo que estar dormindo
Otaciano se aproximou
Por detrás da mulher
Enquanto ela cobria os olhos
Do jeito que o diabo quer
Ele empurrou uma faca
que entrou até pé
Depois de matar Biné
Saiu em grande carreira
O corredor era atijolado
Mais ficou a buraqueira
Damiana correu atrás
Mas só encontrou a poeira.