31 de mar. de 2025

DAMIANA MARTINS - UMA VIDA DE TRAGÉDIAS E SUPERAÇÃO


Em meio ao sertão árido do Ceará, onde o sol castiga a terra e a vida se manifesta em tons de resiliência, ergue-se a figura de Damiana Martins, nascida em 12 de Abril de 1926. Uma mulher forjada nas adversidades, cuja história se entrelaça com os dramas e as paixões vividas em Lagoa Cercada - zona rural do Município de Quixeramobim - Ceará, um lugar onde a honra se “media” em sangue, e a esperança brotava em meio à aridez.

O destino de Damiana começou marcado por tragédias. A viuvez precoce, causada pela brutalidade e um motivo torpe, a lança em um turbilhão de incertezas e desafios. Antônio Chiquinho, seu amado esposo, tomba sob a fúria de um paraibano, deixando-a órfã de proteção e amparo. A dor da perda se misturava à responsabilidade de criar três filhos que já tinha e enfrentar a gravidez sozinha do quarto filho, em um contexto social onde a mulher viúva era vista como presa fácil e vulnerável. A narrativa popular, preservada em versos que ecoam a oralidade do sertão, revela a crueza da vida e a importância da honra na cultura local. A morte de Antônio desencadeia uma busca implacável por vingança, liderada por seu irmão Manoel, que personifica o espírito justiceiro e a defesa da honra familiar. Damiana, por sua vez, se vê no centro de um conflito que transcende sua vontade, mas que molda seu destino de forma inexorável.

Em meio ao luto e à solidão, Damiana encontra um novo amor nos braços de Biné Rufino, de quem teria mais dois filhos, cuja a figura se personificava como a de um “Dom Juan do Sertão”, um conquistador nato, um galanteador por vocação, o qual já teria duas mulheres, onde inclusive já era casado formalmente com uma delas. Porém como ninguém foge de seu destino, a paixão bateu a porta de Damiana, que viu na figura de Biné, um refúgio, um porto seguro, que iria ajudar a tocar seus bens, e a criar seus filhos. Ao assumir o novo amor, do qual ainda teve mais dois filhos antes do segundo infortúnio. Damiana enfrentou os mais duros e cruéis preconceitos, pois viver esse amor, seria desafiar  a sociedade da época, gerando escândalo e desaprovação na comunidade, colocando-a numa posição marginalizada, a qual ficou sujeita a julgamentos e condenações.

A narrativa popular não poupa detalhes sobre a conduta de Biné Rufino, que seduz a viúva e se envolve com a filha de Otaciano, um "Homem religioso, muito devotado à Igreja",  que por sua vez ao saber do possível caso de Biné com sua filha, fora as vidas de fatos pondo fim a vida daquele que era seu amigo, e deixando Damiana mais uma viúva e com mais filhos para criar.  

A Superação em Meio à Adversidade:

Apesar das tragédias e dos escândalos, Damiana Martins demonstrou  uma força interior admirável. Ela enfrentou os desafios com coragem e determinação, buscando alternativas para sustentar seus filhos e reconstruir sua vida. Sua resiliência se manifestou na capacidade de superar a dor da perda, e  enfrentar os desafios impostos pela vida e pela sociedade.

Esta História contada em versos simples e emocionantes, nos ensina que é possível renascer das cinzas e encontrar a felicidade mesmo em meio às maiores provações. O legado de Damiana permanece preservado  na memória oral do povo de Lagoa Cercada, é um testemunho da força e da resiliência da mulher sertaneja, que nus nos inspira a enfrentar os desafios com coragem e a buscar a felicidade mesmo em meio às maiores adversidades.

Ao falarmos dessa guerreira, honramos a memória de todas as mulheres que lutaram e venceram em um contexto social adverso, que sua história continue a inspirar e a emocionar, perpetuando a memória de um tempo e um lugar onde a vida se manifestava em tons de paixão e superação. Damiana Martins saiu do plano terrestre em 10 de novembro de 2021 com 95 anos de idade, mas a sua força e determinação, é  um símbolo de esperança e de  exemplo a ser seguido, de que independente das dificuldades todos nós podemos desenvolver a capacidade de nos reinventar sem perder nosso espírito de fé e a esperança de dias melhores.  

Agora, o leitor conhecerá essa História em versos, cuja escrita foi de Antônio Carlos da Silva Sobrinho, homem que detinha o saber formal na época, e que foi testemunha de ambos os acontecimentos trágicos na vida de Damiana.

Edgleson Lima


Ho leitor preste atenção

Dois casos que vou contar;

Que deu-se em Lagoa-Cercada,

Pois é um belo lugar,

Município de Quixeramobim,

Estado do Ceará


Morava neste lugar 

Dona Damiana Martins 

Que ela é a viúva 

Do falecido Antônio Chiquinho

Que por causa de uma estaca

Sua vida teve fim


Junto a sua propriedade 

Veio morar um paraibano

Já existia um travessão 

Tirado a mais de vinte anos

Ele chegou que colocou umas estacas 

Para não haver engano


Estas estacas que ele botou

Uma interrompeu o caminho

Antônio cortou a estaca

Foi bulir com seu vizinho

Ele bateu mão a espingarda 

Foi matar Antônio Chiquinho


Escondeu-se atrás do curral 

Até o dia amanhecer

Antônio foi tirar o leite de uma vaca

Para as crianças beberem

Ele atirou de pontaria 

Sem o pobrezinho ver


Atirou do lado esquerdo

Atingindo-lhe o coração

Ele ainda correu para casa

Mas não pode fazer ação

Foi cair dentro do quarto

Naquela mesma ocasião


O certo é que o homem morreu

Naquela grande aflição

Chegou Manoel Chiquinho 

Que do morto era irmão

Já vinha preparado 

Com uma faca na mão


Achou o irmão já morto

Disse eu não respeito ninguém

Eu mato o paraibano

E mato mais cem

Se o paraibano não corre 

Tinha tinha o também


Paraibano abriu no mundo

Nunca mais apareceu

A polícia o perseguiu 

Mas nunca o prendeu 

Ficou a propriedade

E depois ele o vendeu


Vendeu a outro paraibano

Eu posso dizer quem é

Esse é gente boa

Vai do jeito que o povo quer

Senhor Severino Pimenta

Um homem de grande fé


Trouxe outros paraibanos 

E botou de morador 

Todos gente boa

Amigo e trabalhador

Mas não tem quem conheça

Um braço devorador


Vamos falar da viúva 

O que foi que aconteceu

Ela arranjou um casamento

Houve fuxico e não se deu

Era com outro viúvo 

Que a mulher a anos morreu


Houve greve no casamento

Ela não pode casar

Ficou só com os filhinhos

Continuando a trabalhar

Apareceu Biné Rufino

Para sempre lhe ajudar


Binè já era casado

Duas mulheres ele já tinha

Uma se chamava Erondina

E a outra se chamava Chiquinha 

Ele seduziu a viúva

Pelos casos que já tinha


Já era casado religiosamente 

Com Erondina Noberto

Deixou ela nas Passagens 

Um lugar aqui muito perto

E seduziu Chiquinha Lessa 

Que morava nesse deserto


Casou-se civil com Chiquinha 

E ficou aqui morando

Ele não possuía terras 

Mas sempre vinha arranjando 

Para criar os filhos dele 

Sempre vinha trabalhando


Mais nunca esquecia a viúva

Sempre sempre o perseguindo 

Até que a viúva também

Um dia chegou-lhe o destino

De colocar ele dentro de casa

Para ajudar criar os meninos


Aí ferveu o barulho 

Houve até audiência 

Mas não teve jeito

Desta grande desconveniência 

Pois nem sempre a causa é 

Do jeito que a gente pensa


Eles foram morar juntos

Contra o gosto dos cunhados 

Numa casa caiada e boa 

Construída pelo finado

Comendo coalhada  e queijo 

E mais outros guisados




Mas deus quando castiga

A pessoa tem que ser castigado

Apareceu um novo vizinho

Amigo e bem intencionado

Que só vivia na Igreja

E não era entusiasmado.



O homens eram amigos 

E as mulheres eram mais

Só tomavam café juntos 

Todos quatro iguais 

Dessas amizades assim 

Só quem goza é o satanás 


O negro velho honrado

Chamava-se Otaciano

Morador de Severino 

Também era paraibano

E possuía uma filha moça 

Que só tinha 14 anos


O dito Biné Rufino

Que com a viúva era amigado

Perseguiu a caboclinha 

Fez-se dela namorada

O negro velho quando soube

Tomou logo o caminho errado


Investigou a filha

Por notar-le ela diferente

Ela confessou tudo direito

Sem acusar mais gente

Culpou logo seu Biné 

Pois era um incompetente


O negro ficou logo 

Sem saber o que fazer

Mandou dizer ao patrão

Que viesse resolver

Ele mandou dizer que vinha

Dá algum parecer


O negro ficou bravo 

Mais não espantou Biné

Querendo matar a treição

E com pena da mulher

Mas quando a ocasião foi própria 

Ele empurrou o guinzé


Um certo dia Biné 

Se achava adoentado 

Otaciano trouxe-lhe um comprimido

 Deu-lhe de bom agrado

Mandou pôr uma compressa

Que ele ficava curado


Era um dor de cabeça

Que Biné estava sentindo

Damiana pois uma folha morna

Logo os olhos foi cobrindo

A ocasião ficou propicia 

Foi mesmo que estar dormindo


Otaciano se aproximou 

Por detrás da mulher

Enquanto ela cobria os olhos

Do jeito que o diabo quer

Ele empurrou uma faca

 que entrou até pé


Depois de matar Biné 

Saiu em grande carreira

O corredor era atijolado

Mais ficou a buraqueira

Damiana correu atrás

Mas só encontrou a poeira.


Verso escrito por ANTÔNIO CARLOS DA SILVA SOBRINHO.