O Nordeste brasileiro tem uma cultura religiosa rica e peculiar. Um legado de fé, transmitido de geração em geração, que encontra nos benzedores e rezadores seus mais fervorosos guardiões, em um tempo onde a medicina moderna ainda não alcança os rincões mais distantes, são eles, os benzedores, que representam a esperança, o alívio e a cura para as aflições do corpo e da alma.
Em tempos de aflição e em um cenário de dificuldades e escassez, a figura do benzedor sempre se ergueu como, doutores do sertão, são homens e mulheres simples, dotados de uma fé inabalável e que tem consigo o conhecimento ancestral das ervas e das rezas. Mães, aflitas com seus filhos doentes, encontram neles um porto seguro, um alento para as dores que assolam seus pequenos.
Dentre as doenças mais comuns das crianças podemos destacar:
Quebranto: Quando o olhar ou a admiração excessiva de alguém sobre a criança, causa desânimo e a tristeza, o benzedor entra em cena, com suas rezas e ramos de ervas, para afastar o "mau olhado" e restaurar a saúde e a alegria da mesma.
Vento Caído: Um susto, um medo repentino, e a criança adoece, com febre, dor de barriga e choro incessante. O benzedor, com sua sabedoria acalma o corpo e a alma, dissipando o "vento caído" e trazendo a saúde de volta.
Cobreiro: A inflamação na pele, manchas vermelhas precedidas de ardência e dor, o doente encontra alívio nas rezas e ervas medicinais dos benzedores.
Essas rezas em sua maioria tem como parte integrante dos ritos, o uso de ramos de árvores do sertão, como: vassourinhas, pinhão roxo, folhas de mamona e dentre outras. Acredita-se que cada planta possui uma energia e um poder específico, capaz de diagnosticar e curar diferentes doenças. Ao observar a reação das ramos, se murcham ou permanecem viçosas, o benzedor é capaz de identificar a causa do mal e indicar o tratamento adequado, como: rezar sete ou nove sextas-feiras seguidas, apenas uma vez e assim por diante, varia muito, depende de cada rezador, conforme sua crença e a fé do doente.
A Alma Africana no Sertão: Rituais de Cura com ritos Africanos
Uma das principais características da cultura e da formação do povo brasileiro, é o sincretismo religioso, é comum identificarmos ritos da religiosidade africana integrada aos ritos do cristianismo. Podemos ver a seguir algumas doenças comuns no nordeste que acometem aos adultos, onde a cura das mesmas se dá por rezas e rituais mais complexos, carregados de simbolismo. Uma mistura de fé, crenças populares e ritos africanos, que revelam a riqueza da diversidade da cultural e religiosa nordestina.
Espinhela Caída: A dor no peito, a dificuldade de respirar após um esforço físico, é tratada com rezas e rituais que mesclam o sagrado e o profano. O benzedor, com suas mãos firmes, ergue as mãos do doente acima da cabeça, em um gesto de súplica e cura.
Um outro tipo de reza é o uso do pilão de madeira e a pimenta do reino. Rito: Enquanto reza, o benzedor serve ao doente um pouco de pimenta do reino pisada, ele o engole, enquanto isso o rezador pega a cabeça do enfermo e faz o gesto de colocar-la dentro do pilão três vezes, sempre tira, ele pisa no pilão para despertar o corpo e afastar a dor. O pilão como símbolo da força e da transformação, é pisado com fé, como se esmagasse a doença.
Reza de cortar a "Íngua": A dor na virilha precedida de febre, sinal de inflamação e sofrimento, era combatida com um ritual peculiar. O benzedor, com uma faca, traçava o contorno do pé do doente no chão, como se demarcasse o território da doença. Em seguida, com a mesma faca, o Benzedor faz pequenos cortes no desenho do formato do pé, como se estivesse cortando e eliminando a doença.
Reza de Costurar a Doença: Um pano pequeno, uma agulha e linha, e a fé inabalável do doente, em cima do machucado, o Recado costura o pedaço de pano com cuidado e devoção ao mesmo tempo em que reza, como se estivesse costurando a própria dor, fechando a ferida e restaurando a saúde.
Um Chamado à Preservação: Valorizar o Legado dos Benzedores
É fundamental que valorizemos e preservemos essa tradição tão rica e importante para a cultura nordestina. Os Benzedores e Rezadores do sertão, são verdadeiros patrimônios humanos, detentores de um conhecimento ancestral que merece ser reconhecido e transmitido às futuras gerações. Ao valorizar e apoiar essa prática, estaremos contribuindo para a manutenção da identidade cultural do Nordeste e para a promoção do bem-estar e da saúde das comunidades sertanejas.
A história dos Rezadores do Nordeste é um mosaico de fé, tradição e esperança, entrelaçada com a vida do sertão e suas peculiaridades, onde cada rosto marcado pelo tempo e em cada gesto de cura, reside um legado de amor ao próximo e devoção à crença popular.
Como gesto de reconhecimento a esses benfeitores espalhados pelos Nordeste, apresento-lhes um pouco da biografia de alguns benzedores do interior de Quixeramobim - Ceará, esses que, com sentimento de amor e devoção, sempre receberam em suas casas, muitas vezes até fora de hora, adultos ou crianças acompanhados de seus pais aflitos, em busca de cura para suas dores.
Joaquim Tavares Laurentino( o Joaquim Térto), residente na comunidade de Forquilha em Quixeramobim - Ceará, nascido em 7 de abril de 1946. Um guardião da fé e da cura, sua história se entrelaça com crença popular e devoção, marcando a vida de muitos que encontraram em suas rezas um alento para o corpo e a alma.
Aos 15 anos, despertou o dom que o acompanharia por toda a vida, uma vocação que o impulsionou a dedicar-se ao próximo, aliviando dores e aflições com rezas aprendidas com os mais antigos. Joaquim Térto tornou-se um benzedor completo, capaz de curar desde o quebranto que aflige as crianças até o mal jeito que atormenta os adultos.
Sua fama se espalhou pelos sertões, atraindo pessoas de longe em busca de seus serviços. Acredita-se que suas rezas são tão poderosas que, mesmo à distância, através de uma roupa ou foto, ele consegue alcançar o doente e trazer-lhe a cura. Há relatos de pessoas desenganadas pela medicina que, após as rezas de Joaquim Térto, encontraram a saúde do corpo e da alma.
Com seus 79 anos de idade e em plena atividade vocacional, o humilde e generoso Joaquim Térto, jamais cobrou por seus serviços, para ele, rezar é um dom divino, um presente de Deus que não pode ser comercializado, sua maior recompensa é ver o sorriso no rosto daqueles que encontram alívio em suas rezas. Com a sabedoria de quem vive em comunhão com a fé, seu Joaquim nus ensina que o principal ingrediente da cura é a crença, recorda que, nem mesmo Jesus Cristo conseguiu curar os incrédulos, e que ele é apenas um instrumento de Deus na Terra, e que a cura é uma obra da fé e do amor de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A história de Joaquim Tavares Laurentino, o Joaquim Térto, é um testemunho da força da fé e da importância dos rezadores na cultura nordestina, sua história aqui publicada é uma homenagem àqueles que, com simplicidade e devoção, dedicam-se a aliviar o sofrimento alheio, perpetuando um legado de amor e esperança no coração dos mais necessitados.
Maria Francisca da Rocha ( Maria do Luiz Bento)
Em São Miguel, distrito de Quixeramobim, floresce uma história de fé e dedicação: a vida de Maria Francisca da Rocha, carinhosamente conhecida como Maria do Luiz Bento. Nascida em 15 de abril de 1938, Maria personifica a bondade e a esperança, iluminando a vida de quem a procura. Sempre com seu sorriso acolhedor, nunca se nega a atender quem quer que seja, não importa como estar sua condição emocional e física, estar sempre pronta para exercer seu ofício de amor e solidariedade.
Nos anos 80, Maria iniciou sua jornada no mundo da cura através das rezas, aprendendo os primeiros ensinamentos com sua sogra, Maria Bento. Mas foi a partir de 1992, sob a orientação de um senhor conhecido por Luiz Sarará, que o ensinou outras rezas, o qual aprimorou seus dons, e assim sua missão se tornou mais evidente.
De lá para cá, incontáveis pessoas buscaram em sua casa o alívio para suas dores. Moradores de São Miguel e de outras localidades encontram em Maria um porto seguro, um refúgio para o sofrimento. Gerações se beneficiaram de suas rezas: aqueles que foram curados retornam, trazendo seus filhos e netos, perpetuando um ciclo de fé e esperança.
Com um sorriso que irradia amor e compaixão, Dona Maria recebe a todos que a procuram, sejam crianças ou adultos, aflitos com: quebranto, vento caído, mal jeito, cobreiro, dor de dente, dor de cabeça, dor de ouvido, espinhela caída, e tantas outras dores que assolam o corpo e a alma.
Aos 87 anos de idade, Maria do Luiz Bento se mantém pronta e ativa, quando o assunto é servir ao próximo, sua energia contagiante e sua fé inabalável são um exemplo para todos que a conhecem. Em suas mãos, as rezas se transformam em bálsamo, aliviando dores e restaurando a esperança.
A história de Maria Francisca da Rocha é a personificação da bondade, do amor, da solidariedade, e do exemplo que Jesus Cristo deixou na terra, que é o de fazer o bem sem olhar a quem, sobretudo aos mais necessitados. Seu sorriso acolhedor, suas rezas poderosas e sua disposição em servir ao próximo, é um legado que inspira e emociona. Que sua luz continue a iluminar a comunidade de São Miguel, levando alívio, conforto e cura para todos que buscam em sua fé, um refúgio para suas dores.
Reflexão
A homenagem que prestamos aos Rezadores, como Seu Joaquim e Dona Maria, ecoa como um grito de gratidão em meio ao silêncio do esquecimento. Quantos corações aflitos buscaram alívio em suas mãos, a qualquer hora do dia ou da noite? Quantos encontraram a cura onde a medicina não alcançou?
O reconhecimento divino é certo, mas o reconhecimento humano, por vezes, se esvai como a brisa. Quantos daqueles que foram ajudados se lembram de um cumprimento, de uma visita? O tempo, implacável, tece véus sobre as memórias, obscurecendo o valor de quem tanto fez.
Esta homenagem, portanto, é um farol, um chamado para que esses benfeitores jamais sejam esquecidos. Que suas histórias sejam contadas e recontadas, para que inspirem novas gerações a cultivar a fé, a solidariedade e o amor ao próximo. A história de Seu Joaquim e Dona Maria é um tributo a todos os Rezadores do Nordeste, aos que ainda estão em plena ação e àqueles que já partiram deixando um legado de cura, amor e fé.
Edgleson Lima